Síntese da Exortação Apostólica "Amoris Letitia"
Seguindo as sugestões dos participantes da XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, realizada no Vaticano em outubro de 2015, o Papa Francisco escreveu a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Letitia (A alegria do amor), onde explana sobre algumas diretrizes básicas que devem ser seguidas hoje na Igreja Católica, no que se refere à família cristã. Vejamos aqui uma síntese deste documento pontifício.
Seguindo as sugestões dos participantes da XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, realizada no Vaticano em outubro de 2015, o Papa Francisco escreveu a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Letitia (A alegria do amor), onde explana sobre algumas diretrizes básicas que devem ser seguidas hoje na Igreja Católica, no que se refere à família cristã. Vejamos aqui uma síntese deste documento pontifício.
Índice
Introdução
I – A Revelação divina sobre a família
1. União sexual capaz de gerar
2. União no amor
3. Os filhos: fruto do amor
4. Um rasto de sofrimento
5. O valor do trabalho
6. A ternura
II - A realidade e os desafios das famílias
1. A situação atual da família
2. Desafios e diretrizes pastorais
III – Síntese da doutrina da Igreja
1. Jesus e o projeto divino de família
2. A família nos documentos atuais da igreja
3. O sacramento do matrimônio
4. Situações imperfeitas
5. A transmissão da vida e a educação dos filhos
6. A família e a igreja
IV – O amor no matrimônio
1. O nosso Amor quotidiano
a. Paciência
b. Servir
c. Curando a inveja
d. Sem arrogância nem orgulho
e. Amabilidade
f. Desprendimento
g. Não se irritar
h. Perdão
i. Alegrar-se com os outros
j. Tudo desculpa
k. Confia
l. Espera
m. Tudo suporta
2. Características próprias do amor conjugal
a. Para sempre
b. Aberta à vida
c. Ajuda mútua
d. Apreciar a pessoa
e. Dar forma institucional
f. O amor tende a crescer
g. O diálogo
3. A sexualidade no matrimônio
a. O amor eros
b. Violência e manipulação
c. Matrimônio e virgindade
d. O amor na velhice
V - Amor fecundo
1. Acolher uma nova vida
2. A gravidez
3. A criação
4. A adoção
5. A família e a sociedade
6. A vida na família
VI - Algumas perspectivas pastorais
1. Anunciar o evangelho da família
2. A preparação dos noivos
3. A preparação da celebração
4. Acompanhamento nos primeiros anos da vida matrimonial
5. A ajuda dos casais experientes
6. Cônjuge sem fé
7. Ajudas das comunidades
8. Os momentos de crise
9. Acompanhar depois das rupturas e dos divórcios
10. Perante a morte
VII – A educação dos filhos
1. A maturidade dos filhos
2. A formação ética dos filhos
3. O valor da sanção
4. Educação paciente
5. A vida familiar
6. A educação sexual
7. Transmitir a fé
VIII – Acolher e integrar os frágeis
1. A gradualidade pastoral
2. As circunstâncias atenuantes
3. As normas e o discernimento
4. A misericórdia pastoral
IX - A presença de Deus na família
Introdução
A alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja.
Para que a família e o matrimonio superem a impiedosa crise que os envolve e continuem a existir, como desejam tantos jovens, não basta uma reflexão superficial sem fundamentação suficiente, nem a aplicação de normas gerais e nem deduzir conclusões excessivamente rígidas. Mas o verdadeiramente necessário é continuar a aprofundar - de modo livre, honesto, realista, criativo e fiel à Igreja - algumas questões doutrinais, morais, espirituais e pastorais sobre esse tema.
Ainda que, na Igreja, é necessária uma unidade de doutrina e práxis, no entanto, este documento do magistério não esgota as soluções. Por isso, é lógico que se possa interpretar estas resoluções de modo diferente. Afinal o mistério de Cristo só poderemos compreender perfeitamente quando estivermos com Ele cara a cara. Além disso, em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais.
O texto é extenso. Por isso, o Papa não aconselha uma leitura geral apressada. Assim, seguiremos o seu conselho e iremos aprofundar pacientemente uma parte de cada vez. Então, quem sabe, nos sentiremos chamados a cuidar com amor da vida das famílias, porque elas não são um problema, são sobretudo uma oportunidade.
(Síntese da Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Amoris Letitia” nn. 1-7)
I – A Revelação divina sobre a família
Em toda a Bíblia lemos relatos de famílias onde impera o amor ou envolvidas em crises. Jesus, de algum modo, explica isso dizendo que essas diferenças tem a sua causa no modo como cada uma é construída: as primeiras são assentadas sobre a rocha, as segundas sobre a areia (cf. Mt 7, 24-27).
E essa rocha, que traz a benção de Deus, a sua paz e a sua felicidade à vida familiar, é a obediência em andar pelos caminhos do Senhor (cf. Sl 128/127, 1-6). Vamos ver quais são esses caminhos.
(Síntese da Ex. Apostólica “Amoris Letitia” n. 8)
1. União sexual capaz de gerar
O Sl 128/127 fala que no centro da família está um pai e uma mãe que se amam.
A primeira ideia revelada é a de que o Criador fez o homem e fez a mulher para deixarem a casa paterna a fim de se unirem sexualmente (cf. Mt 19,4 e Gn 2, 24).
E, surpreendentemente, o Livro do Gênesis explica-nos que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem (cf. Gn 1, 27). Quer dizer, criou-os para que, unidos sexualmente, como um casal, sejam símbolos das realidades íntimas de Deus (cf. Gn 1, 28; 9, 7; 17, 2-5.16; 28, 3; 35, 11; 48, 3-4). Em Deus a uma paternidade, uma filiação e um amor.
Mais do que isso, por estar os relatos bíblicos, permeados por várias sequências genealógicas (cf. Gn 4, 17-22.25-26; 5; 10; 11, 10-32; 25, 1-4.1217.19-26; 36), revela-se que a capacidade que o casal humano tem de gerar é o caminho por onde se desenrola a história da salvação.
(Síntese da Ex. Apostólica “Amoris Letitia nn. 9-11)
2. União no amor
Mas o Sl 127/128 fala-nos de que aquele casal, formado por um homem e uma mulher, não se unem apenas sexual e corporalmente, mas também na sua doação voluntária de amor.
E Jesus relembra que o homem, criado por Deus, estava inquieto e buscava «uma auxiliar semelhante» (Gn 2,18.20) capaz de resolver a sua solidão, que não era resolvida, mesmo tendo muito próximo de si os animais.
Então Deus cria a mulher para resolver esse problema afetivo: «Unir-se-á o homem à sua mulher e serão os dois um só» (Mt 19, 5; cf. Gn 2, 24). No original hebraico, o verbo «unir-se» indica uma estreita sintonia, uma adesão física e interior, a ponto de se utilizar para descrever a união com Deus: «A minha alma está unida a Ti» (Sl 63/62, 9).
No Cântico dos Cânticos, uma esposa faz uma linda confissão estupenda de amor e doação na reciprocidade: «Eu sou para o meu amado e o meu amado é para mim» (Ct 6, 3).
Deste encontro amoroso, que cura a solidão, surge a geração e a família, onde os filhos são os rebentos desse amor (cf. Sl 128/127, 3).
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 12-13)
3. Os filhos: fruto do amor
Se os pais são como que os alicerces da casa, os filhos constituem as «pedras vivas» da família (cf. 1 Ped 2, 5), uma bênção, uma verdadeira dadiva do Senhor. Ou seja, os filhos são sinais de plenitude da família e são eles que dão continuidade à história da salvação, de geração em geração.
Por outro lado, a Bíblia considera a família o lugar onde os pais se tornam os primeiros mestres da fé para seus filhos. Eis o diz um Salmo «O que ouvimos e aprendemos e os nossos antepassados nos transmitiram, não o ocultaremos aos seus descendentes; tudo contaremos às gerações vindouras: as glórias do Senhor e o seu poder, e as maravilhas que Ele fez. Ele estabeleceu um preceito em Jacob, instituiu uma lei em Israel. E ordenou aos nossos pais que a ensinassem aos seus filhos, para que as gerações futuras a conhecessem e os filhos que haviam de nascer a contassem aos seus próprios filhos» (Sl 78/77, 3-6).
Os filhos também têm o dever de praticar os ensinamentos recebidos de seus pais: «honra o teu pai e a tua mãe» (Ex 20, 12).
Jesus, que é modelo de obediência a seus pais terrenos (cf. Lc 2, 51), também nos lembra que os filhos não são uma propriedade da família, porque eles têm um caminho pessoal de vida; e que a sua escolha pode exigir uma separação para realizar a entrega de si mesmo ao Reino de Deus (cf. Mt 10, 34-37; Lc 9, 59-62). Ele próprio, aos doze anos, responde a Maria e a José que tem uma missão mais alta a realizar para além da sua família natural (cf. Lc 2, 48-50).
Por fim, Jesus propõe aos adultos a aprenderem das crianças a terem uma confiança simples e espontânea nos outros. (cf. Mt 18, 3-4).
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 14-18)
4. Um rasto de sofrimento
A Bíblia não omite que toda vida familiar está marcada por sofrimentos que dilaceram a união e o amor: disputas, separações, autoritarismos, violências, litígios, tragédias, dificuldades, esterilidades, tensões, rejeições, carências, doenças, mortes, etc.
Mas os ensinamentos de Jesus, as curas que realizou e as próprias necessidades que sofreu são sinais de que Deus não abandona os seus filhos, mas é nosso companheiro de viagem. E, no final, Ele enxugará todas as lágrimas dos nossos olhos, e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor» (cf. Ap 21, 4).
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 19-22)
5. O valor do trabalho
É pelo trabalho que o homem e a mulher dão sustento, estabilidade, fecundidade, bem-estar físico e serenidade à família (cf. Sl 28,2.5-6; 2 Gn 2, 15; Pr 31, 10-31).
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 23-26)
6. A ternura
Essencial numa família cristã, como fruto do amor mútuo, é a ternura com que todos devem se tratar. O Salmo 131 fala-nos com traços comoventes da intimidade delicada e carinhosa entre a mãe e o seu bebê. O próprio Deus apresenta-se como essa mãe que sossega, tranquiliza e sacia o filhinho no seu colo (cf. Sl 131/130, 2, vide Os 11, 1.3-4).
É essa ternura que Deus espera dos esposos e dos filhos para que formem uma comunhão de pessoas que seja imagem da união entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A oração diária, a leitura da Palavra de Deus e a comunhão eucarística farão crescer esse amor e a família tornar-se-á um templo onde Deus habita.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 27-30)
II - A realidade e os desafios das famílias
1. A situação atual da família
Há várias décadas atrás, havia na família um equilíbrio de responsabilidades e tarefas e uma maior comunicação pessoal entre os esposos, o que contribuía à humanização de toda a vida familiar. Mas com as mudanças antropológico-culturais isso vai se perdendo.
O crescimento da cultura individualista exagerada da posse e fruição gera o isolamento dos membros no seio das famílias: cada um constrói a sua vida de um modo independente.
Além disso, a organização social e laboral atual coloca em risco a possibilidade de opções permanentes. Ao mesmo tempo, a valorização da autenticidade individual, apesar de promover a liberdade de escolher, pode também, se não estiver orientada a objetivos nobres, criar a fuga dos compromissos, o confinamento no conforto, a arrogância e a incapacidade de se dar generosamente.
Assim, a família transforma-se num lugar de passagem, aonde uma pessoa vai quando lhe parecer conveniente para si mesma ou para reclamar direitos, enquanto os vínculos ficam à mercê dos desejos e das circunstâncias.
Hoje é difícil de se entender o ideal do matrimônio como um compromisso de exclusividade e estabilidade, porque perdeu-se a noção de que existem verdades, valores e princípios que nos guiam, mas, pelo contrário, afirma-se que tudo deve ser permitido.
Para enfrentarmos essa males atuais, não basta ficarmos numa denúncia retórica e nem impormos normas pela força da autoridade. Mas, como cristãos, não podemos - para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade em face ao descalabro moral e humano, ou para não contradizer a sensibilidade atual - renunciar a propor os valores e as razões que podemos e devemos oferecer sobre o matrimônio e a família para que as pessoas estejam melhor preparadas para responder à graça que Deus lhes oferece.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 31-49)
2. Desafios e diretrizes pastorais
a. Gerais
Ensinar com ênfase, acolher, apoiar e aconselhar os casais a crescerem e perseverarem no amor, no respeito, na ajuda mútua e na generosidade em procriar e educar os filhos nas exigências do Evangelho.
Acompanhar melhor os jovens casais nos seus primeiros anos, com propostas adaptadas aos seus horários, às suas linguagens e às suas preocupações mais concretas.
Não insistir tanto em questões doutrinais, bioéticas e morais sobre o matrimonio.
Apresentar o matrimônio não como um fardo para ser carregado a vida inteira, mas como um caminho dinâmico de crescimento e realização, que se apoia no fator mais poderoso que é a graça divina, sobretudo a que nos chega pelos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia.
Formar e valorizar a consciência dos fiéis, em vez de substitui-la.
Não agir na defensiva, nem gastar as energias atacando o mundo decadente, mas propor e indicar caminhos de felicidade.
Olhar para a atitude de Jesus que propunha um ideal exigente, mas também era compreensivo com as pessoas frágeis como a samaritana ou a mulher adúltera.
Chamar a atenção para a decadência cultural que não promove o amor e a doação, mas sim a «cultura do provisório e do descartável», que leva as pessoas a passarem com rapidez de uma relação afetiva para outra.
b. Não adiar o casamento
Encontrar as palavras, as motivações e os testemunhos adequados para estimular os jovens a assumir com entusiasmo e coragem o matrimônio como compromisso de amor, e rejeitem o que pode induzi-los a renunciar a isso: dificuldades econômicas, laborais ou acadêmicas; ideologias que desvalorizam o matrimônio e a família; medo de não dar certo e de assumir um compromisso tão grande e sagrado; concepção do amor como algo puramente emotivo e romântico; receio de perder a liberdade e a autonomia; rejeição a tudo o que é institucional e burocrático.
c. Formar a afetividade
Rejeitar as tendências que impõem uma afetividade narcisista, instável, mutável e sem qualquer limitação. Estancar a difusão pela mídia da pornografia e da comercialização do corpo.
d. Crises conjugais
Enfrentá-las sem pressa, com coragem e paciência, valorizando o perdão recíproco e o sacrifício. Evitando assim a proliferação de novas relações, novos casais, novas uniões e novos casamentos, criando situações familiares complexas e problemáticas para a opção cristã.
e. As leis do Estado
Contribuir para que que o Estado não crie leis que facilite a contracepção, a esterilização e o aborto, mas, pelo contrário, dê condições políticas, jurídicas, sócias e econômicas para que os jovens, com emprego, moradia e sistema de saúde garantidos, se sintam estimulados a formar uma família, ter filhos, cria-los e amparar os idosos.
f. Fomentar a religiosidade
O enfraquecimento da fé e da prática religiosa afeta as famílias, porque, sem Deus, as pessoas se sentem sós e as relações se deterioram.
g. Situações extremas
Dar uma atenção especial aos filhos nascidos fora do matrimônio; à exploração e ao abuso sexual das crianças; aos meninos de rua; aos feridos pela violência da guerra, do terrorismo ou do crime organizado; aos migrantes; às famílias que encontram em situação de pobreza extrema; aos cristãos perseguidos; aos deficientes e aos idosos.
h. Ausência de vida familiar
A função educativa é dificultada porque os pais chegam a casa cansados e sem vontade de conversar; em muitas famílias, já não há sequer o hábito de comerem juntos, e cresce uma grande variedade de ofertas de distração, para além da dependência da televisão. Isto torna difícil a transmissão da fé de pais para filhos.
i. Comportamentos insanos
Enfrentar o desafio de extirpar das famílias a toxicodependência, o alcoolismo, os jogos de azar, outras dependências, a violência familiar, as atitudes defensivas, a falta e apoio entre os membros, a ausência de atividades familiares que favoreçam a participação.
j. O modelo sadio de família
Só a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função social plena, por ser um compromisso estável e tornar possível a fecundidade.
As uniões de facto ou entre pessoas do mesmo sexo não podem ser simplesmente equiparadas ao matrimônio.
Nenhuma união precária ou fechada à transmissão da vida garante o futuro da sociedade.
Deve-se rejeitar firmemente a poligamia; os matrimônios combinados; a pre-cohabitação e os vínculos sem forma institucional.
k. Sistema jurídico inadequado
Estancar o avanço da legislação que favorece alternativas contrárias ao matrimônio indissolúvel e aberto à vida, porque a força da família reside essencialmente na sua capacidade de amar e ensinar a amar.
l. Direitos da mulher
Defender a mulher da violência verbal, física e sexual no seio familiar; da escravidão; da sua mutilação genital; da discriminação da sua dignidade com relação ao homem; da desigualdade de acesso a postos de trabalho dignos e aos lugares onde as decisões são tomadas; do aluguel de seu ventre; da instrumentalização e comercialização do seu corpo.
m. O papel do homem
O homem está chamado a proteger e sustentar a esposa e os filhos. A ausência do pai priva os filhos dum modelo adequado do comportamento paterno.
n. Ideologia de gênero
Não admitamos a criação de uma sociedade sem diferenças de sexo, porque isso destrói a base antropológica da família com projetos educativos e diretrizes legislativas que promovem uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher.
o. O ato procriativo
Não aceitemos que o ato procriativo seja manipulado pela biotecnologia de um modo independente da relação sexual entre homem e mulher.
Não caiamos no pecado de pretender substituir-nos ao Criador. Somos criaturas, não somos omnipotentes. A criação precede-nos e deve ser recebida como um dom. Ao mesmo tempo somos chamados a guardar a nossa humanidade, e isto significa, antes de tudo, aceitá-la e respeitá-la como ela foi criada.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 50-57)
III – Síntese da doutrina da Igreja
Tudo o que Deus criou é bom. Ele criou o matrimônio. Logo, ele é bom. E como dom divino dever ser cuidado.
1. Jesus e o projeto divino de família
Jesus reafirmou como um dom e não como um jugo o desígnio primordial sobre a união indissolúvel entre o homem e a mulher unidos no matrimônio (cf. Mt 19, 3 e Mc 10, 1-12). A família e o matrimônio foram redimidos por Cristo (cf. Ef 5, 21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde brota todo o amor verdadeiro.
A postura de Jesus é paradigmática para a Igreja: se encarnou e nasceu numa família, inaugurou a sua vida pública com um milagre num banquete de núpcias (cf. Jo 2, 1-11), compartilhou momentos diários de amizade com a família de Lázaro e suas irmãs (cf. Lc 10, 38) e com a família de Pedro (cf. Mt 8, 14), escutou o pranto dos pais pelos seus filhos, restituindo-os à vida (cf. Mc 5, 41; Lc 7, 14-15) e mostrando assim o verdadeiro significado da misericórdia.
A aliança de amor e fidelidade da Sagrada Família de Nazaré é exemplo para cada família enfrentar melhor as vicissitudes da vida.
2. A família nos documentos atuais da igreja
O Concílio Ecumênico Vaticano II definiu o matrimônio como comunidade de vida e amor (Gaudium et spes cf. n. 48). Amor que implica a mútua doação sexual e afetiva dos cônjuges (cf. nn. 48-49).
O Beato Paulo VI destacou o vínculo intrínseco entre amor conjugal e procriação (cf. Encíclica Humanae vitae)
São João Paulo II dedicou especial atenção ao amor humano na família (cf. Carta às famílias Gratissimam sane e Exortação apostólica Familiaris consortio).
Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, sublinhou que o amor entre o homem e a mulher é iluminado no amor de Cristo crucificado (cf. n. 2). Além disso, na Encíclica Caritas in veritate, destaca a importância do amor como princípio de vida na sociedade (cf. n. 44), lugar onde se aprende a experiência do bem comum.
3. O sacramento do matrimônio
Jesus elevou o matrimônio fazendo dele um sacramento (cf. Mt 19, 1-12; Mc 10, 1-12; Ef 5, 21-32), pelo qual os esposos são consagrados em Cristo, por meio duma graça própria, para constituírem uma igreja doméstica (cf. Lumen gentium, 11).
O sacramento do matrimônio não é uma convenção social, um rito vazio ou o mero sinal externo dum compromisso, mas um dom, uma vocação para a santificação e a salvação dos esposos e dos filhos. Na pratica isso se concretiza na entrega total, na fidelidade, na relação sexual aberta à vida e na relação com os seus filhos e com o mundo.
No sacramento do matrimônio os ministros são o homem e a mulher que se casam. Ou seja, são eles que, ao manifestar o seu consentimento e expressá-lo na sua entrega corpórea, recebem a graça sacramental.
Quando dois cônjuges não-cristãos recebem o batismo, a promessa nupcial que fizeram torna-se automaticamente sacramental.
4. Situações imperfeitas
A Igreja não julga, ama e invoca a graça da conversão para os fiéis que estão em situações matrimoniais imperfeitas, porque contraíram matrimônio apenas civil ou são divorciados que voltaram a casar. Além disso, encoraja-os a fazerem o bem, a cuidarem com amor um do outro e colocarem-se ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham.
5. A transmissão da vida e a educação dos filhos
Os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem ter uma vida conjugal cheia de sentido humano e cristão. Contudo, esta união está ordenada para a geração por sua própria natureza. Deus fez os cônjuges participantes do seu poder criador.
O bebê que chega não vem de fora e não aparece como o final dum processo, mas está presente desde o início e vem para juntar-se ao amor mútuo dos esposos.
Desde o início, o amor abre-se a uma fecundidade. Por isso, nenhum ato sexual dos esposos pode se fechar à essa possibilidade, embora, por várias razões, nem sempre possa efetivamente gerar uma nova vida.
O filho pede para nascer, não de qualquer maneira, mas deste amor, porque ele não é uma dívida, mas uma dádiva, fruto do ato específico do amor conjugal de seus pais.
É preciso redescobrir a mensagem da Encíclica Humanae vitae de Paulo VI, que sublinha a necessidade de respeitar a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade.
A Igreja apoia as famílias que acolhem, educam e rodeiam de carinho os filhos deficientes.
Se a família é o santuário da vida, o lugar onde a vida é gerada e cuidada, é uma contradição lancinante fazer dela o lugar onde a vida é negada e destruída ainda no seio materno. De modo nenhum se pode afirmar como um direito sobre o próprio corpo a possibilidade de tomar decisões sobre esta vida que é fim em si mesma e nunca poderá ser objeto de domínio doutro ser humano.
A Igreja afirma o direito à morte natural, evitando o excesso terapêutico e a eutanásia, mas também rejeita firmemente a pena de morte.
A educação integral dos filhos é dever gravíssimo e direito primário, essencial e insubstituível dos pais. O Estado deve atuar nisso de maneira subsidiária. A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento.
6. A família e a Igreja
O amor vivido nas famílias é uma força permanente para a vida da Igreja. Esse amor se concretiza na partilha dos projetos, fadigas, anseios e preocupações; no cuidado e no perdão mútuos; na celebração dos momentos felizes; no apoio nas situações difíceis; na alegria pela vida que nasce; na amorosa solicitude de todos os seus membros, desde os pequeninos aos idosos.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 58-88)
IV – O amor no matrimônio
A graça do sacramento do matrimônio destina-se, antes de mais nada, a aperfeiçoar o amor dos cônjuges.
1. O nosso Amor quotidiano
Em 1 Cor 13, 4-7, São Paulo dá-nos algumas características do amor verdadeiro:
a. Paciência
Uma pessoa é paciente quando controla os impulsos interiores e evita agredir.
Não podemos deixar que nos maltratem e nos agridam. Mas também não podemos exigir que as relações sejam idílicas, ou que as pessoas sejam perfeitas, ou nos colocar no centro esperando que se cumpra unicamente a nossa vontade, porque assim tudo nos impacientará e nos levará a reagir com agressividade.
Sem paciência responderemos com ira, não saberemos conviver, e a família tornar-se-á um campo de batalha.
b. Servir
A paciência não é uma postura totalmente passiva, mas há de ser acompanhada por uma atividade que nos leve a fazer o bem aos outros, sem calcular nem reclamar pagamento, mas apenas pelo prazer de dar e servir.
c. Curando a inveja
No amor, não há lugar para sentir desgosto pelo bem do outro (cf. Act 7, 9; 17, 5). Pelo contrário, o verdadeiro amor aprecia os sucessos alheios.
d. Sem arrogância nem orgulho
Quem ama não só evita falar muito de si mesmo, mas sabe manter-se no seu lugar.
Quem ama também não se apresenta como superior ou mais inteligente ou mais poderoso. «Quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo» (Mt 20, 27).
e. Amabilidade
Quem ama tem modos, palavras e gestos agradáveis, que incentivam, reconfortam, fortalecem, consolam e estimulam; detesta fazer sofrer os outros; sabe ouvir, falar e, em certos momentos, calar; não põe em evidência os defeitos e erros alheios
f. Desprendimento
É mais próprio da caridade querer amar do que querer ser amado. Por isso, o amor pode superar a justiça e não esperar nada em troca, chegando até mesmo a dar a vida pelos outros (Jo 15, 13).
g. Não se irritar
A indignação é saudável, quando nos leva a reagir perante uma grave injustiça; mas é prejudicial, quando se manifesta em juízos temerários. Desejar o bem do outro, pedir a Deus que o liberte e cure. Nunca terminar o dia sem fazer as pazes na família; para isso, às vezes, basta uma carícia, sem palavras.
h. Perdão
Perdão é compreender a fraqueza alheia e encontrar desculpas para a outra pessoa. Não é fácil, quando fomos ofendidos ou enganados, mas a comunhão familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito de sacrifício. Atitude fundamental para isso é perdoar a nós mesmos e, melhor ainda, saber que somos perdoados por Deus.
i. Alegrar-se com os outros
Quem ama não se alegra secretamente com os fracassos alheios, mas se alegra com o bem do outro, porque reconhece a sua dignidade, e aprecia as suas capacidades e as suas boas obras. A família deve ser sempre o lugar onde uma pessoa que consegue algo de bom na vida, sabe que ali se vão congratular com ela.
j. Tudo desculpa
Quem ama não fala mal, não murmura e não difama o outro, porque o amo com seus defeitos. Os esposos, que se amam e se pertencem, falam bem um do outro, procuram mostrar mais o lado bom do cônjuge do que as suas fraquezas e erros. E guardam silêncio para não danificar a sua imagem, porque todos somos uma complexa combinação de luzes e sombras.
k. Confia
Vai mais além de não suspeitar que o outro esteja mentindo ou enganando; mas é não dominar nem controlar e nem seguir minuciosamente os passos do outro. Positivamente, é ser sinceros e transparentes entre si.
l. Espera
Amar é ter a esperança de que o outro pode mudar; pelo menos, no término desta vida, quando, no céu, se libertará das suas fraquezas, trevas e patologias; e resplandecerá com toda a sua potência de bem e beleza. Isso é aceitar que nem tudo aconteça como se deseja, mas sabendo que Deus escreve direito por linhas tortas, porque Ele, ainda que seja no final de tudo, tirará algum bem dos males que não se conseguem vencer nesta terra.
m. Tudo suporta
É manter-se firme no meio dum ambiente hostil. É amor que apesar de tudo não desiste, mesmo que todo o contexto convide a outra coisa. A pessoa forte é aquela que pode quebrar a cadeia do ódio, a cadeia do mal.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 89-119)
2. Características próprias do amor conjugal
a. Para sempre
A união conjugal é uma boa amizade exclusiva e indissolúvel, cujo fim é partilhar e construir juntos toda a existência. Quem ama e vive intensamente a alegria de se casar não pensa em algo passageiro; aqueles que acompanham a celebração dessa união de amor, esperam que ela perdure no tempo; os filhos querem não só que os seus pais se amem, mas também que sejam fiéis e permaneçam sempre juntos.
E, para os fiéis, é uma aliança diante de Deus, que exige fidelidade: “Ninguém atraiçoe a mulher da sua juventude, porque Eu odeio o divórcio” (Ml 2, 14.15-16). Para isso, Deus fortalece e eleva essa união com o dom da graça sacramental.
b. Aberta à vida
Esta amizade peculiar entre um homem e uma mulher inclui a união conjugal, respeitosa, exclusiva, fiel e aberta à geração.
c. Ajuda mútua
A amizade matrimonial impele os esposos a cuidarem um do outro, a prestam-se recíproca ajuda e serviço.
d. Apreciar a pessoa
O amor conjugal não se fundamenta nos atrativos físicos ou psicológicos, mas sim no carácter sagrado da pessoa. Por isso, cada um procura o bem do outro, mesmo que esteja doente, velho ou privado de atrativos sensíveis e, até mesmo se tornou fisicamente desagradável, agressivo ou chato.
Algumas queixas e reclamações, que se ouvem nas famílias: «O meu marido não me olha, para ele parece que sou invisível». «Por favor, olha para mim, quando te falo». «A minha mulher já não me olha, agora só tem olhos para os filhos». «Em minha casa, não interesso a ninguém, nem sequer me veem, é como se não existisse». O amor abre os olhos e permite ver, mais além de tudo, quanto vale um ser humano.
Poucas alegrias humanas são tão profundas e festivas como quando duas pessoas que se amam conquistaram tantas coisas boas no meio de sofrimentos.
e. Dar forma institucional
O amor no matrimonio se estabiliza e cresce mais facilmente quando o consentimento ou contrato se faz de um modo institucional público e visível socialmente.
f. O amor tende a crescer
Não existe o amor idílico e perfeito. Mas o amor cresce quando na união estão presentes três palavras: com licença, obrigado e desculpa. Assim se cresce, suceda o que suceder.
g. O diálogo
Dar atenção ao que o outro precisa comunicar. Não começar a falar antes de ouvir o outro. Muitas vezes um dos cônjuges não precisa duma solução para os seus problemas, mas de ser ouvido. Não mudar de assunto e nem dar respostas rápidas para encerrar a conversa.
Nunca subestimar aquilo que o outro diz ou reivindica, ainda que seja necessário exprimir o ponto de vista pessoal. O outro não é um concorrente. Cada um tem a sua experiência da vida, olha doutro ponto de vista, desenvolveu outras preocupações e possui outras capacidades e intuições. Colocar-se no lugar do outro e interpretar a profundidade do seu coração.
O diálogo abre portas para modificar ou completar as próprias opiniões. Temos de nos libertar da obrigação de ser iguais. Expressar aquilo que se sente, sem ferir com ironias e acusações.
Para ter algo de útil a dizer é necessário uma riqueza interior que se alimenta com a leitura, a reflexão pessoal, a oração e a abertura à sociedade.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 120-141)
3. A sexualidade no matrimônio
a. O amor eros
As proibições da Igreja contra o erotismo exacerbado não têm o fim de tornar amarga a vida, mas sim impedir a desumanização do ser humano e impedir a destruição da família.
Trata-se de conjugar as necessárias renúncias ao prazer com os momentos em que é licito e necessário ter um intenso prazer.
Deus criou tudo «para nosso usufruto» (1 Tim 6, 17). Por isso, a sexualidade é um presente maravilhoso que ele deu às suas criaturas, não só com o fim de procriar, mas também para exprimir o amor, que admira a dignidade do outro.
b. Violência e manipulação
Muitas vezes a satisfação sexual é buscada no outro – dentro ou fora do matrimônio - com ações manipuladoras e violentas. Por isso, São Paulo exortava: «Que ninguém, nesta matéria, defraude e se aproveite do seu irmão» (1 Ts 4, 6). Inclusive aconselha que, de comum acordo, os cônjuges adiem as relações sexuais por algum tempo (cf. 1 Cor 7, 5).
O amor exclui todo o género de submissão, pelo qual a mulher se tornasse serva ou escrava do marido. O que deve existir é uma recíproca doação, que é também submissão mútua. São Paulo diz: «Submetei-vos uns aos outros» (Ef 5, 21). No aspecto sexual, essa submissão deve levar a que o outro viva em plenitude.
c. Matrimônio e virgindade
A virgindade é uma forma de amor, uma entrega sem reservas ao serviço da evangelização (cf. 1 Cor 7, 32) e é um reflexo da plenitude do Céu, onde «nem os homens terão mulheres, nem as mulheres, maridos» (Mt 22, 30).
São Paulo reconhecia o valor da vocação ao matrimônio como o da virgindade. Um estado de vida completa o outro na vida da Igreja.
Uma pessoa casada pode viver a caridade num grau altíssimo. E assim «chega à perfeição que uma pessoa alcançou pela vocação ao celibato.
A virgindade é um convite para os esposos viverem o seu amor conjugal na perspectiva do amor definitivo a Cristo, como um caminho comum rumo à plenitude do Reino. Por sua vez, o matrimônio é um sinal de Cristo terreno que aceitou unir-Se a nós e Se deu até ao derramamento do seu sangue.
Estimulo para os celibatários são as pessoas casadas que são fiéis ao cônjuge, mesmo quando já não têm no outro o prazer que tinha outrora, ou que até mesmo foram abandonadas. Da mesma maneira o são os pais que estão totalmente disponíveis aos filhos, mesmo que eles sejam difíceis e até ingratos.
d. O amor na velhice
Na velhice, quando talvez o desejo sexual perdeu intensidade e a aparência física seja outra, o amor perdura no fato de um conhecer tudo da vida e da história do outro e de terem compartilhado, como fieis companheiros as dificuldades e as coisas lindas da vida. Assim se pode viver unidos até que a morte os separe, e viver sempre uma rica intimidade.
Entretanto nada disto é possível, se não se invoca o Espírito Santo, se não se clama todos os dias pedindo a sua graça, se não se procura a sua força sobrenatural, se não lhe fazemos presente o desejo de que derrame o seu fogo sobre o nosso amor para o fortalecer, orientar e transformar em cada nova situação.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 142-164)
V - O amor fecundo
1. Acolher uma nova vida
Em muitas famílias os filhos são amados antes de chegar. No entanto, é doloroso constatar que numerosas crianças são rejeitadas, abandonadas e abortadas. Se foi um erro tê-las gerado, não são elas que devem ser punidas. A família deve aceitá-las como dom de Deus, acolhendo-as com responsabilidade, sacrifício, magnanimidade e carinho.
As famílias numerosas, geradas com paternidade responsável (aquela que considera tanto as realidades sociais e demográficas, como a sua própria situação e os seus legítimos desejos), são uma alegria para a Igreja.
2. A gravidez
Na gravidez, a mãe colabora com Deus Pai para que se realiza o sonho do seu amor eterno: o milagre duma nova vida (cf. Jr 1, 5). Um pai e uma mãe devem esperar com emoção o cumprimento desse sonho durante toda a gravidez. Neste sonho, para um casal cristão, inclui-se o desejo do batismo.
Os filhos são uma dádiva! Cada um é único e irrepetível. Um filho é amado porque é filho: não porque é bonito ou pensa com eu ou é deste modo ou daquele, mas porque é filho!
A alegria da gravidez não pode ser suplantada pelos medos, preocupações e comentários alheios.
3. A criação
Toda a criança tem direito de ter um pai e uma mãe que a ame. Ambos são necessários para o seu amadurecimento íntegro e harmonioso, porque um mostra o rosto paterno de Deus e a outra o materno. Não basta que cada um ame o filho separadamente, mas é necessário que ambos se amem por amor ao filho.
É legítimo, e até desejável, que as mulheres queiram estudar, trabalhar, desenvolver as suas capacidades e ter objetivos pessoais. Mas as crianças necessitam - especialmente nos primeiros meses de vida - da ternura, dedicação, força moral e religiosidade feminina da mãe. O enfraquecimento dessa presença gera uma sociedade desumana.
Por sua vez, o pai tem o papel de ajudar o filho a perceber os limites da realidade, a orientar-se nela, a enfrentar os riscos e desafios, a esforçar-se e a lutar. O maior problema nos nossos dias são os pais concentrados em si mesmo ou no próprio trabalho ou nas próprias realizações individuais, a ponto de esquecerem-se da família, deixando as crianças e os jovens sozinhos. Deus coloca o pai na família, para esteja próximo dos filhos no seu crescimento: quando brincam, estudam, se sentem angustiados, se exprimem, permanecem calados, ousam, têm medo, dão um passo errado e voltam a encontrar o caminho. Estar presente não significa ser controlador, porque isso aniquila os filhos.
4. A adoção
O matrimônio não foi instituído só em ordem à procriação. Por isso, quando faltem os filhos, o matrimônio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida. Além disso, a maternidade não é uma realidade exclusivamente biológica, por isso pode ser vivida na adoção. Adoptar é o ato de amor que oferece uma família a quem não a tem. Além de evitar abortos, abandonos e o tráfico de crianças.
5. A família e a sociedade
Uma família cristã deve ser próxima às outras, integrada na sociedade e solidárias para com as mais pobres, as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação dos seus filhos, as pessoas deficientes que requerem muito carinho e proximidade, os jovens que lutam contra uma dependência, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas que sofrem a solidão, os idosos, os doentes que não recebem o apoio dos seus filhos, e até os que tem comportamentos inadequados.
Com o testemunho e também com a palavra, as famílias falam de Jesus aos outros, transmitem a fé, despertam o desejo de Deus e mostram a beleza do Evangelho e do estilo de vida que nos propõe. As famílias, que se alimentam da Eucaristia com a disposição adequada, são mais fraternas e se comprometem melhor com os necessitados.
6. A vida na família
Uma sociedade de filhos que não honram os pais (cf. Ex 20, 12) é uma sociedade sem honra, destinada a encher-se de jovens áridos e ávidos.
Por outro lado, sem abandonar os pais, os cônjuges devem formar um novo lar, unindo-se em novos projetos comuns. É inadmissível que se oculte coisas ao próprio cônjuge, que são ditas aos pais, chegando ao ponto de se importar mais com as opiniões destes do que com os sentimentos e as opiniões do cônjuge.
São João Paulo II convidou-nos a prestar atenção ao idoso na família, não os marginalizando. Muitas vezes são os avós que asseguram a transmissão dos grandes valores humanos e da fé aos seus netos. As suas palavras, as suas carícias ou a simples presença ajudam as crianças a reconhecer que a história não começa com elas, que são herdeiras dum longo caminho e que é necessário respeitar o fundamento que as precede.
A relação entre os irmãos - alimentada pelos afetos e pela educação familiar - aprofunda-se com o passar do tempo. Em família, entre irmãos, aprendemos a amar. A fraternidade na família resplandece quando há solicitude, paciência e carinho pelo irmãozinho ou a irmãzinha mais frágil, doente ou deficiente. A tendência para ter apenas um filho, dificulta esse aprendizado na sociedade. Nos casos em que não se pôde ter mais de um filho, é preciso encontrar formas de a criança não crescer sozinha ou isolada.
Por fim, não se pode esquecer que à família pertencem também - preservando a legítima autonomia e a intimidade do casal - o sogro, a sogra e todos os parentes do cônjuge, que não podem ser vistos como concorrentes ou invasores.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 165-198)
VI: Algumas perspectivas pastorais
1. Anunciar o evangelho da família
A Igreja deve:
- sublinhar que o Evangelho da família é alegria que enche o coração e a vida inteira,
- acompanhar e oferecer motivações para que os casais vivam um amor forte, sólido, duradouro, capaz de superar as dificuldades que encontram no seu caminho
- denunciar as estruturas sociais, que impedem uma vida familiar autêntica
- formar mais adequadamente os presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas, catequistas, agentes pastorais e seminaristas sobre namoro e o matrimônio, não se limitando à doutrina.
- contar nessa formação com a ajuda de psicopedagogos, médicos de família, médicos de comunidade, assistentes sociais, advogados de menores e de família, integrada com o valor fundamental da direção espiritual, dos recursos espirituais inestimáveis da Igreja e da Reconciliação sacramental.
2. A preparação dos noivos
É necessário lembrar aos noivos a importância das virtudes. Dentre elas, a castidade, como indispensável para o crescimento genuíno do amor interpessoal.
Da mesma forma, sejam instruídos sobre os aspectos da vida familiar, especialmente naqueles que ajuda cada um a aprender a amar esta pessoa concreta com quem pretende partilhar a vida inteira.
Na verdade, os que chegam melhor preparados ao casamento são aqueles que aprenderam dos seus próprios pais o que é um matrimônio cristão.
Os noivos devem ser incentivados e ajudados a poderem expressar o que cada um espera dum eventual matrimônio, a sua maneira de entender o que é o amor e o compromisso, aquilo que se deseja do outro, o tipo de vida em comum que se quer projetar.
Ajudá-los a enfrentarem algumas renúncias, momentos difíceis e situações de conflito, e a sólida decisão de prepararem-se para isso.
Que os noivos considerem o matrimônio como um vínculo permanente
3. A preparação da celebração
É comum os noivos chegarem desfalecidos ao casamento, por terem se dedicado exaustivamente na preparação dos convites, da roupa, da festa e de inumeráveis detalhes que dispendiam enormes gastos econômicos. Essa mentalidade também gera muitas vezes a decisão de evitar tudo isso realizando simplesmente uma união de facto que nunca chega ao matrimônio.
O certo seria priorizar a intuição sacramental, que fortalece e santifica e formaliza diante dos outros o amor mútuo. Quanto à festa, deveria ser austera e simples
Que os noivos tenham em conta que o peso teológico e espiritual do consentimento dado na celebração litúrgica é “até que a morte vos separe”. A honra à palavra dada, a fidelidade à promessa não se pode comprar nem vender.
Quem os acompanha na preparação do matrimônio ajudem a rezarem juntos, um pelo outro, pedindo ajuda a Deus para serem fiéis e generosos, perguntando juntos a Deus que espera deles, e inclusive consagrando o seu amor diante duma imagem de Maria.
4. Acompanhamento nos primeiros anos da vida matrimonial
Se o casamento se realiza por uma livre decisão de amarem para sempre, e não por uma mera atração física ou uma vaga afetividade, então, quando estas diminuem a união se mantem firme. Muitas vezes o tempo de noivado não foi suficiente para maturarem isso, por isso, a instrução a eles deve continuar depois do casamento
É importante que os novos cônjuges tenham muito claro que estão apenas começando um caminho que deve ser construído dia-a-dia com a graça de Deus. Mesmo porque, nenhum dos dois poderá alcançará a perfeição a não ser no fim do caminho. Essa mentalidade colabora para que haja paciência, compreensão, tolerância e generosidade. Em cada nova etapa da vida matrimonial, é preciso sentar-se e negociar novamente os acordos, de modo que não haja vencedores nem vencidos, mas ganhem ambos.
Ambos estão chamados a ajudarem-se mutuamente no amadurecimento. Talvez a maior missão dum homem e duma mulher no amor seja esta: a de se tornarem, um ao outro, mais homem e mais mulher.
O acompanhamento pastoral deve encorajar os esposos a – através um diálogo consensual entre eles - serem generosos na geração de uma nova vida. Neste sentido, é preciso redescobrir a Encíclica Humanae vitae (cf. nn. 10-14) e a Exortação apostólica Familiaris consortio (cf. nn. 14; 28-35). São os próprios esposos que devem diante de Deus tomar esta decisão, tendo em conta o seu bem próprio e o dos filhos já nascidos ou que preveem virão a nascer, sabendo ver as condições de tempo e da própria situação e tendo, finalmente, em consideração o bem da comunidade familiar, da sociedade temporal e da própria Igreja. Sempre com a consciência de que os filhos são um dom maravilhoso de Deus, uma alegria para os pais e para a Igreja. Através deles, o Senhor renova o mundo.
5. A ajuda dos casais experientes
Os agentes pastorais e os grupos de famílias deveriam ajudar os casais jovens ou frágeis a aprenderem a dialogar; a parar um diante do outro, e inclusive a partilhar momentos de silêncio que os obriguem a sentir a presença do cônjuge; a viver tempos de recreação com os filhos; a celebrar coisas importantes; a se beijarem-se pela manhã, benzer-se todas as noites, esperar pelo outro e recebê-lo à chegada, ter alguma saída juntos, compartilhar as tarefas domésticas; etc.
Os pastores, devem animar as famílias a crescerem na fé. Para isso, é bom incentivar a confissão frequente, a direção espiritual, a participação em retiros. Mas há que convidar também a criar espaços semanais de oração familiar, porque a família que reza unida permanece unida. Ao mesmo tempo, convém incentivar cada um dos cônjuges a reservar momentos de oração a sós diante de Deus, porque cada qual tem as suas cruzes secretas.
6. Cônjuge sem fé
Se um dos cônjuges não é batizado ou não queira viver os compromissos da fé não, o cônjuge cristão deve amá-lo, fazê-lo feliz, aliviar os seus sofrimentos e partilhar a vida com ele como um verdadeiro caminho de santificação. Por outro lado, o amor é um dom de Deus e, onde se derrama, faz sentir a sua força transformadora, a ponto que «o marido não crente é santificado pela mulher, e a mulher não crente é santificada pelo marido» (1 Cor 7, 14).
7. Ajudas das comunidades
As paróquias, os movimentos, as escolas e outras instituições da Igreja podem desenvolver várias mediações para apoiar e reavivar as famílias. Por exemplo, através de recursos como reuniões de casais vizinhos ou amigos, breves retiros para casais, conferências de especialistas sobre problemáticas muito concretas da vida familiar, centros de aconselhamento conjugal, agentes missionários preparados para falar com os casais acerca das suas dificuldades e aspirações, consultas sobre diferentes situações familiares (dependências, infidelidade, violência familiar), espaços de espiritualidade, escolas de formação para pais com filhos problemáticos, assembleias familiares.
Aproveitar o batismo dum filho, à Primeira Comunhão, ou quando participam num funeral ou no casamento dum parente ou amigo, a bênção das casas ou a visita duma imagem da Virgem, que dão oportunidade para desenvolver um diálogo pastoral sobre a situação da família.
8. Os momentos de crise
As crises matrimoniais são normais e podem ser superadas. De um modo genérico, as motivações e ações que levam à essa superação são: manter a família pelos filhos e pelos netos, aprender a ser feliz superando os desafios e tirando deles uma aprendizagem, dialogar e recorrer a um acompanhamento pastoral, perdoar e reconciliar-se entre si e com Deus, recorrer a ajuda de parentes amigos e, eventualmente, até duma ajuda externa e profissional, não acusar o outro sem pensar antes na própria culpa, ser muito sincero consigo mesmo, aceitar com realismo que não se possa satisfazer todos os sonhos acalentados, evitar considerar-se o mártir, etc.
Alguns fatores geradores de crises:
Não enfrentar os problemas: negando-os, escondendo-os, relativizando a sua importância, apostando apenas em que o tempo passe, isolando-se para não mostrar o que sente; isso tudo complica ainda mais as coisas.
Situações comuns que precisam ser enfrentadas: aprender a conciliar as diferenças e a desligar-se dos pais; a crise da chegada do filho, com os seus novos desafios emotivos; a crise de educar uma criança, que altera os hábitos do casal; a crise da adolescência do filho, que exige muitas energias, desestabiliza os pais e às vezes contrapõem-nos entre si; a crise da diáspora dos filhos, que obriga o casal a fixar de novo o olhar um no outro; a crise causada pela velhice dos pais dos cônjuges, que requer mais presença, solicitude e decisões difíceis; as dificuldades econômicas, laborais, afetivas, sociais e espirituais; a ausência num momento em que se precisava do outro, um orgulho ferido ou um temor indefinido; a sensação de não ser completamente correspondido, os ciúmes, as diferenças que podem surgir entre os dois, a atração suscitada por outras pessoas, os novos interesses que tendem a apoderar-se do coração, as mudanças físicas do cônjuge; etc.
Crises geradas pela imaturidade dos cônjuges por causa de uma infância e de uma adolescência mal vividas; por querer recuperar aos quarenta anos o que não se viveu na adolescência; por criticar acidamente, pelo o hábito de culpar os outros; pelas fantasias caprichosas; por não ter sido amado incondicionalmente pelos pais e irmãos; etc.
9. Aos divorciados
Quando um dos cônjuges comete grandes injustiças, recorre frequentemente à violência e a falta de respeito se tornou crônica, a dignidade do outro e o bem dos filhos exige uma ruptura inevitável.
Nesse caso, é necessário acompanhar pastoralmente os separados, os divorciados, os abandonados. Sobretudo, é preciso ajudá-los a perdoar o outro.
Ao mesmo tempo, as pessoas divorciadas que não voltaram a casar devem se aproximar do alimento da Eucaristia para que as sustente no seu estado. E as em estado de pobreza devem ser amparadas pela comunidade local.
Quanto às pessoas divorciadas que vivem numa nova união, é importante fazer-lhes sentir que não estão excomungadas, que não são discriminadas, e devem participar na vida da comunidade, porque fazem parte da Igreja. Não se trata de diminuir o valor da indissolubilidade do matrimônio, mas de viver a caridade nesse grau extremo.
Por outro lado, é necessário facilitar às pessoas a investigação sobre a possível nulidade do seu matrimônio.
Os pais separados também nunca tomem o filho como refém, mas cresçam ouvindo a mãe falar bem do pai, embora já não estejam juntos, e o pai falar bem da mãe.
10. Algumas situações complexas
Quanto aos matrimônios mistos (entre católicos e outros batizados), embora tenham em comum os sacramentos do batismo e do matrimônio, a partilha da Eucaristia pode apenas ser excepcional e, em todo o caso, devem-se observar as disposições indicadas (Pont. Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Diretório para a Aplicação dos Princípios e das Normas sobre o Ecumenismo, 25 de Março de 1993, 159-160).
Cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar qualquer sinal de discriminação injusta e particularmente toda a forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida.
Não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família
11. Perante a morte
Quando um dos cônjuges falece, o outro dever saber convergir as suas energias para uma dedicação ainda maior aos filhos e netos, encontrando nesta experiência de amor uma nova missão educativa. Aqueles que já não podem contar com a presença de familiares a quem se dedicar e de quem receber carinho e proximidade, a comunidade cristã deve sustentá-los com particular atenção e disponibilidade, sobretudo se vivem em condições de indigência.
Consola-nos saber que não se verifica a destruição total dos que morrem, e a fé assegura-nos que o Ressuscitado nunca nos abandonará. Podemos, assim, impedir que a morte envenene a nossa vida, torne vãos os nossos afetos e nos faça cair no vazio mais escuro. Os nossos entes queridos não desapareceram nas trevas do nada: a esperança assegura-nos que eles estão nas mãos bondosas e vigorosas de Deus.
Uma maneira de comunicarmos com os seres queridos que morreram é rezar por eles (cf. 2 Mac 12, 44.45).
Se aceitarmos a morte, podemos preparar-nos para ela. O caminho é crescer no amor para com aqueles que caminham conosco, até ao dia em que «não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor» (Ap 21, 4). Deste modo preparar-nos-emos também pera reencontrar os nossos entes queridos que morreram.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 199-258)
VII – A educação dos filhos
1. A maturidade dos filhos
A família deve escolher quem lhes oferecerá diversão e entretenimento, saber quem entra nas suas casas através dos écrans, e o que fazem os filhos nos tempos livres. Os pais devem também orientar e alertar as crianças e os adolescentes para saberem enfrentar situações onde possa haver riscos de agressões, abusos ou consumo de droga.
Mas os progenitores tão pouco devem estar obcecados com saber onde está o seu filho e controlar todos os seus movimentos, procurará apenas dominar os seus espaços. Do contrário não os educará e não os preparará para enfrentar os desafios com maturidade
A educação ajuda a usar a liberdade com responsabilidade, sensatez e inteligência; com consciência do que está fazendo.
2. A formação ética dos filhos
Os pais devem mostrar aos filhos – com diálogo educativo e na linguagem deles - que eles são preciosos. Devem, também, não impor, mas induzi-los a descobrir quais hábitos e tendências são bons para si e para os outros. Precisam ser educados a criar o hábito de dizer: « por favor », « com licença » , « obrigado » e “perdão”.
3. O valor da sanção
Corrigir – sem ira - os filhos tem o fim de mostrar-lhes as consequências danosas de uma ação e a de ajudá-los a reparar o mal que causaram. Mas é necessário reconhecer que algumas más ações procedem das fragilidades e dos limites próprios da idade; do contrário, provocaria desânimo e exasperação (cfr. Ef 6, 4; cf. Col 3, 21).
É necessário evitar dois extremos igualmente nocivos: um extremo seria fazer tudo o que o filho quer, contribuindo assim para criar um sujeito que pensa que só tem direitos, mas não responsabilidades; o outro extremo seria levá-lo a viver sem consciência da sua dignidade, dos seus direitos, torturado pelos deveres e submetido à realização dos desejos alheios.
4. Educação paciente
Pedir às crianças e aos jovens sacrifícios proporcionados à sua idade, para não provocar ressentimentos ou ações puramente forçadas. Propor os valores pouco a pouco.
5. A vida familiar
A família é a primeira escola dos valores humanos, onde se aprende o bom uso da liberdade. O que se aprende na família entra como que por osmose e fica presente no comportamento para toda a vida. Infelizmente, alguns programas televisivos ou algumas formas de publicidade incidem negativamente e enfraquecem valores recebidos na vida familiar.
Educar as crianças e os adolescentes para saberem esperar, respeitar a liberdade dos outros, e assim não se tornarem prepotentes e crescerem com o vício de querer tudo subitamente.
A família é o primeiro lugar onde se aprende a relacionar-se com o outro, a escutar, partilhar, suportar, respeitar, ajudar, conviver. A família tem de inventar, todos os dias, novas formas de promover a convivência sadia.
Na família se aprende a cuidar da casa comum e também a cuidar dos doentes.
Evitar que as tecnologias de comunicação e as distrações prejudiquem o diálogo pessoal e profundo entre os membros da família, e criem filhos apáticos e desligados do mundo real.
As escolas católicas devem ajudar os pais na educação dos filhos, especialmente fazendo os alunos ver o mundo através do olhar de amor de Jesus e compreender a vida como uma chamada para servir a Deus. Para isso, devem exercer a liberdade de ensinar a doutrina da Igreja.
6. A educação sexual
A educação sexual deve estar orientada para o amor e para a doação mútua.
A informação sexual deve ser adequada a cada idade. Os jovens devem poder dar-se conta de que são bombardeados por mensagens que não procuram o seu bem e o seu amadurecimento.
É valiosa a educação que orienta para cuidar do pudor.
É irresponsável qualquer convite aos adolescentes para que brinquem com os seus corpos e desejos, como se tivessem a maturidade, os valores, o compromisso mútuo e os objetivos próprios do matrimônio. É importante, pelo contrário, ensinar a ter expressões de amor, cuidados mútuos, ternuras respeitosas e uma comunicação rica de sentido.
A educação sexual deve ajudar a que cada um aceite o seu corpo como foi criado por Deus, com a feminilidade e a sua masculinidade. Mas o masculino e o feminino não são qualquer coisa de rígido. Por isso, o homem pode assumir tarefas domésticas e a mulher assumir tarefas de chefia na família. Não é pouco masculino dedicar-se à arte ou à dança e pouco feminino desempenhar alguma tarefa de chefia.
7. Transmitir a fé
A família deve ser lugar onde se ensina a perceber as razões e a beleza da fé, a rezar e a servir o próximo. Isto começa no batismo, onde – como dizia Santo Agostinho – as mães que levam os seus filhos « cooperam no parto santo ». É bonito quando as mães ensinam os filhos pequenos a enviar um beijo a Jesus ou a Nossa Senhora. Os casais, as mães e os pais, são os primeiros catequistas de seus filhos.
Os momentos de oração em família e as expressões da piedade popular podem ter mais força evangelizadora do que todas as catequeses e todos os discursos.
Assim, as famílias serão igrejas domésticas e fermento evangelizador na sociedade.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 259-290)
VIII – Acolher e integrar os frágeis
1. A gradualidade pastoral
Toda ruptura do vínculo matrimonial é contra a vontade de Deus, porque ele é reflexo da união entre Cristo e a sua Igreja. Não existe gradualidade da lei.
No entanto, existe uma gradualidade pastoral. Por isso, a Igreja – sem deixar de propor a perfeição e convidar a uma resposta mais plena a Deus -, consciente da fragilidade de muitos dos seus filhos, reconhece que a graça de Deus também atua na vida dos divorciados que vivem em segunda união ou apenas civil ou de mera convivência, desde que seja uma união notavelmente estável, marcado por um afeto profundo e que cuida da prole. Esse matrimonio pode evoluir para o sacramento do matrimônio.
Assim sendo, a Igreja sente a necessidade de acompanhar esses casais com atenção e solicitude, dando-lhes de novo confiança e esperança para que possam se integrar plenamente à Igreja sob diferentes formas possíveis, sem causar escândalo. Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus filhos, que devem ser considerados o elemento mais importante. Ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho. Muitas vezes, o trabalho da Igreja é semelhante ao de um hospital de campanha. E sabemos também que não existem receitas simples.
2. As circunstâncias atenuantes
Nem todos os que estão numa situação chamada «irregular» vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante. Pode haver fatores que limitam a capacidade de decisão. E São Tomás de Aquino reconhecia que alguém pode ter a graça e a caridade, mas é incapaz de exercitar bem alguma das virtudes. O Catecismo da Igreja Católica (n. 1735 e 2352) diz: A imputabilidade e responsabilidade dum ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas, o estado de angustia, etc.
3. As normas e o discernimento
As normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo, uma situação particular não pode ser elevada à categoria de norma.
Por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja, também dos sacramentos.
4. A misericórdia pastoral
A compreensão e a misericórdia pelas situações excepcionais não implicam jamais esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao ser humano. Hoje, mais importante do que uma pastoral dos falimentos é o esforço pastoral para consolidar os matrimônios e assim evitar as rupturas.
Mas a Igreja deve imitar a Jesus, que se apresenta como Pastor de cem ovelhas, não de noventa e nove; e quer tê-las todas. A partir desta consciência, tornar-se-á possível que a todos, fiéis e afastados, possa chegar o bálsamo da misericórdia como sinal do Reino de Deus já presente no meio de nós.
Por isso, convém sempre considerar inadequada qualquer concepção teológica que, em última instância, ponha em dúvida a própria omnipotência de Deus e, especialmente, a sua misericórdia.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 291-312)
IX - A presença de Deus na família
O amor faz com que Deus reine na família real e concreta, com todos os seus sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários.
A comunhão familiar bem vivida é um verdadeiro caminho de santificação na vida ordinária e de crescimento espiritual, um meio para a união íntima com Deus. Somente «se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós» (1 Jo 4, 12).
As famílias alcançam também, pouco a pouco, com a graça do Espírito Santo, a sua santidade através da vida matrimonial, participando também no mistério da cruz de Cristo, que transforma as dificuldades e os sofrimentos em oferta de amor.
Por outro lado, os momentos de alegria, o descanso ou a festa, e mesmo a sexualidade são como uma participação na vida plena da sua Ressurreição.
As orações, as várias expressões da piedade popular e, especialmente, a Eucaristia são um tesouro de espiritualidade para muitas famílias.
O matrimônio reflete a fidelidade de Deus quando cada manhã o cônjuge renova diante de Deus a sua decisão de fidelidade ao outro, suceda o que suceder ao longo do dia.
O amor do casal alcança a máxima libertação quando cada um descobre que o outro não é seu, mas tem um proprietário muito mais importante, o seu único Senhor. Isto exige um despojamento interior. O espaço exclusivo, que cada um dos cônjuges reserva para a sua relação pessoal com Deus, não só permite curar as feridas da convivência, mas possibilita também encontrar no amor de Deus o sentido da própria existência.
O amor de Deus exprime-se através das palavras vivas e concretas com que o homem e a mulher se declaram o seu amor conjugal. Assim, os dois são entre si reflexos do amor divino, que conforta com a palavra, o olhar, a ajuda, a carícia, o abraço. Por isso, querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história de construir um mundo onde ninguém se sinta só.
Quando a família acolhe e sai ao encontro dos outros, especialmente dos pobres e abandonados, é símbolo, testemunho, participação da maternidade da Igreja. A família vive a sua espiritualidade própria, sendo ao mesmo tempo uma igreja doméstica e uma célula viva para transformar o mundo.
(Síntese da Exortação “Amoris Letitia” nn. 313-324)
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Oração à Sagrada Família
Jesus, Maria e José, em Vós contemplamos o esplendor do verdadeiro amor, confiantes, a Vós nos consagramos.
Sagrada Família de Nazaré, tornai também as nossas famílias lugares de comunhão e cenáculos de oração, autênticas escolas do Evangelho e pequenas igrejas domésticas.
Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais haja nas famílias episódios de violência, de fechamento e divisão; e quem tiver sido ferido ou escandalizado seja rapidamente consolado e curado.
Sagrada Família de Nazaré, fazei que todos nos tornemos conscientes do carácter sagrado e inviolável da família, da sua beleza no projeto de Deus.
Jesus, Maria e José, ouvi-nos e acolhei a nossa súplica.
Ámen.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no Jubileu Extraordinário da Misericórdia, a 19 de Março – solenidade de São José – do ano 2016, quarto do meu Pontificado.
Franciscus